Desde fevereiro, pescadores constatam a presença desta espécie invasora nas águas do Jacuí. Sem predador natural nestas águas, as palometas têm devorado outros peixes, inclusive na rede, impactando fortemente a pesca em cidades como General Câmara, a 90 quilômetros de Porto Alegre. De lá para cá, as piranhas já foram flagradas em nove cidades banhadas pelos rios Jacuí e seus afluentes, como o Taquari e Vacacaí.
Se seguirem avançando com a voracidade demonstrada e tendo as condições propícias, as palometas poderão chegar ao Delta do Jacuí e ao Lago Guaíba, com a possibilidade real de romperem as barreiras das bacias do rio Tramandaí e dos Sinos.
“Esta espécie gosta muito de água parada, então o Delta do Jacuí e o Guaíba são excelentes. Como em determinadas épocas do ano as águas do Delta seguem Sinos adentro quando o rio está muito baixo, elas podem sim chegar aqui. Assim como nas lagoas costeiras. E este cenário é muito preocupante”, admite o professor do curso de Ciências Biológicas da Universidade Feevale, Marcelo Pereira de Barros. A preocupação é tão real que o Ibama acionou o professor para integrar a rede de especialistas nas universidades em áreas onde as palometas podem chegar.
“Se chegar na foz do Sinos e tiver atrativo suficiente em termos de alimentação e abrigo, certamente vai subir o rio. Diria até que é provável estabelecer a população”, pontua o analista ambiental do Ibama, Maurício Vieira de Souza. Ele pondera, no entanto, que esta possibilidade não segue um modelo matemático. “Depende muito da adaptação do animal às condições. A distribuição nunca é homogênea, depende das preferências e tolerâncias. É um animal que nada rápido e precisa de muito oxigênio, por exemplo.”
Se chegar ao Sinos, Barros acredita que a espécie deverá se concentrar na parte mais baixa, onde o rio desacelera. “De Taquara para cima, onde tem corredeira, não deve entrar.”
Ataques de cardumes das palometas a pessoas já aconteceram em balneários de cidades como Rosário do Sul, em águas onde o peixe é nativo. Por lá, balneários colocam redes ao redor da área de banho para impedir o avanço dos animais. Chegou-se até a se criar o evento de Canto e Pesca à Palometa em Uruguaiana, para reduzir a população da espécie.
Apesar de poderem provocar pequenos ferimentos em seres humanos, elas não têm o potencial de ataque de piranhas como as encontradas na Amazônia e Pantanal. “Para o homem não tem muito perigo. Pode levar uma mordida aqui e ali, cria-se aquele medo em balneários, mas elas não são fortes e agressivas como as outras”, pondera Barros.
Para controlar a migração da piranha invasora, o Ibama formou uma rede de contatos para estudar o avanço e o comportamento da espécie. Souza adianta que nas próximas semanas deve apresentar um plano de ação, com medidas para tentar controlar a situação, a exemplo do que foi feito com outra espécie invasora no Estado: o javali.
O analista ambiental do Ibama observa que o próprio ambiente pode se adaptar ao peixe forasteiro, com outras espécies competindo por espaço e até comendo ovos e filhotes de palometas. “Passado o pico, o ambiente pode chegar a um equilíbrio. Mas isso é mais fácil em lugares mais preservados”, admite.
As palometas já apareceram em nove cidades banhadas pelo Jacuí e seus afluentes depois de saírem da bacia do Rio Uruguai. Elas tendem a avançar até o Lago Guaíba e podem subir o Rio dos Sinos e também chegar a lagoas costeiras.
A invasão de peixes a partir da bacia do Rio Uruguai já aconteceu em outras ocasiões, inclusive, com espécies ultrapassando mais de uma bacia e chegando à água doce do litoral. Mas nenhum deles era carnívoro como a palometa.
“Estes bichos foram transportados pela mão humana. Geralmente, ocorre a drenagem da água de uma bacia para outra, para irrigação de lavouras. São canos de um metro e meio de diâmetro, e assim vão passando”, explica Barros, que lembra que há outra espécie de piranha na bacia do Uruguai.
Mas não são só animais que podem passar. Além de risco biológico, a transposição das águas pode causar problemas ambientais e até de saúde pública.
No Estado, habitam duas espécies do grupo de piranhas, a palometa (Serrasalmus maculatus) e a piranha (Pygocentrus nattereri), mas somente na bacia do Rio Uruguai. O Rio Uruguai integra ainda a bacia do Rio da Prata e compartilha espécies de peixes de água doce com o Pantanal do Mato Grosso.
Já o Rio Jacuí integra a bacia da Laguna dos Patos, que tem uma fauna de peixes bem diferente daquela do Rio Uruguai. Quando estes dois mundos se cruzam, cria-se o risco de uma espécie invasora causar estragos. Já houve confirmação de espécies invasoras da bacia do Rio Uruguai no Rio Tramandaí e lagoas costeiras. Mas nenhuma tinha potencial de causar tantos danos como a palometa.
As palometas são peixes sociais, que formam pequenos cardumes de até 20 indivíduos, sendo mais ativas durante o dia. Comem outros peixes, embora explorem outros recursos alimentares, incluindo insetos aquáticos, camarões e caranguejos de águas doces e até mesmo vegetais aquáticos.